I. chapter: A escrava Isaura

capitolo 1 capitolo 2 capitolo 3 capitolo 4 capitolo 5 capitolo 6 capitolo 7 capitolo 8 capitolo 9 capitolo 10 capitolo 11
capitolo 12 capitolo 13 capitolo 14 capitolo 15 capitolo 16 capitolo 17 capitolo 18 capitolo 19 capitolo 20 capitolo 21 capitolo 22





Achando-se só, Álvaro sentou-se junto a uma mesa, e apoiando nela os cotovelos com a fronte entre as mãos, ficou a cismar profundamente. Isaura, porém, pressentindo pelo silêncio que reinava na sala, que já ali não havia pessoas estranhas, foi ter com ele.
Finding himself alone, Álvaro sat down at a table and resting his elbows on it with his forehead between his hands, he began to think deeply. Isaura, however, sensing from the silence that reigned in the room that there were no strangers there anymore, went over to him.

— Senhor Álvaro, — disse ela chegando-se de manso e timidamente; — desculpe-me... eu venho decerto lhe aborrecer... queria talvez estar só... — Não, minha Isaura; tu nunca me aborreces; pelo contrário, és sempre bem-vinda junto de mim... — Mas vejo-o tão triste!... parece-me que aqui entrou mais gente, e alteravam-se vozes. Deram-lhe algum desgosto, meu senhor?... — Nada houve de extraordinário, Isaura; foram algumas pessoas que vieram procurar o doutor Geraldo.
"Mr. Álvaro," she said, approaching meekly and timidly; — Excuse me... I'm sure I've come to annoy you... Maybe I wanted to be alone... —No, my Isaura; you never bore me; on the contrary, you're always welcome with me... —But I see him so sad!... it seems to me that more people have entered here, and voices were raised. Did they give you any trouble, my lord?... —There was nothing extraordinary, Isaura; there were some people who came looking for Dr. Geraldo.

— Mas então, por que está assim triste e abatido? — Não estou triste nem abatido. Estava meditando nos meios de arrancar-te do abismo da escravidão, meu anjo, e elevar-te à posição para que o céu te criou. — Ah! senhor, não se mortifique assim por amor de uma infeliz, que não merece tais extremos, É inútil lutar contra o destino irremediável que me persegue. — Não fales assim, Isaura. Tens em bem pouca conta a minha proteção e o meu amor!...
— But then, why are you so sad and downcast? “I am not sad or downcast. I was meditating on the means of pulling you out of the abyss of slavery, my angel, and raising you to the position for which heaven created you. — Oh! Sir, don't mortify yourself like that for the love of an unfortunate woman, who doesn't deserve such extremes. It's useless to fight against the irremediable destiny that pursues me. — Don't talk like that, Isaura. You have little regard for my protection and my love!...

— Não sou digna de ouvir de sua boca essa doce palavra. Empregue seu amor em outra mulher que dele seja merecedora, e esqueça-se da pobre cativa, que tornou-se indigna até de sua compaixão ocultando-lhe a sua condição, e fazendo-o passar pelo vergonhoso pesar de... — Cala-te, Isaura... até quando pretendes lembrar-te desse maldito incidente?... eu somente fui o culpado forçando-te a ir a esse baile, e tinhas razão de sobra para não revelar-me a tua desgraça. Esquece-te disso; eu te peço pelo nosso amor, Isaura.
— I am not worthy to hear that sweet word from your mouth. Spend your love on another woman who is worthy of it, and forget the poor captive, who made herself unworthy of even your compassion by hiding her condition from him, and putting him through the shameful grief of... You, Isaura... how long do you intend to remember that accursed incident?... I was only to blame for forcing you to go to that ball, and you had more than enough reason not to reveal your misfortune to me. Forget about it; I ask you for our love, Isaura.

— Não posso esquecer-me, porque os remorsos me avivam sempre n'alma a lembrança dessa fraqueza. A desgraça é má conselheira, e nos perturba e anuvia o espirito. Eu o amava, assim como o amo ainda, e cada vez mais... perdoe-me esta declaração, que é sem dúvida uma ousadia na boca de uma escrava. — Fala, Isaura, fala sempre, que me amas. Pudesse eu ouvir de teus lábios essa palavra por toda a eternidade.
— I can't forget, because remorse always stirs in my soul the memory of that weakness. Misfortune is a bad adviser, and disturbs us and clouds the spirit. I loved him, as I love him still, and more and more... forgive me this statement, which is undoubtedly boldness in the mouth of a slave. — Speak, Isaura, always speak that you love me. If only I could hear that word from your lips for all eternity.

— Era um triste amor na verdade, um amor de escrava, um amor sem sorriso nem esperança. Mas a ventura de ser amada pelo senhor era uma idéia tão consoladora para mim! Amando-me o senhor me nobilitava, a meus próprios olhos, e quase me fazia esquecer a realidade de minha humilde condição. Eu tremia ao pensar que descobrindo-lhe a verdade, ia perder para sempre essa doce e única consolação que me restava na vida. Perdoe, meu senhor, perdoe à escrava infeliz, que teve a louca ousadia de amá-lo.
— It was a sad love indeed, a slave's love, a love without smile or hope. But the bliss of being loved by the Lord was such a consoling idea for me! By loving me, the Lord ennobled me, in my own eyes, and almost made me forget the reality of my humble condition. I shuddered at the thought that, discovering the truth, I would lose forever that sweet and only consolation that I had left in life. Forgive, my lord, forgive the unfortunate slave, who had the mad audacity to love you.

— Isaura, deixa-te de vãos escrúpulos, e dessas frases humildes, que de modo nenhum podem caber em teus lábios angélicos. Se me amas, eu também te amo, porque em tudo te julgo digna do meu amor; que mais queres tu?... Se antes de conhecer a condição em que nasceste, eu te amei subjugado por teus raros encantos, hoje que sei que a tantos atrativos reúnes o prestigio do infortúnio e do martírio, eu te adoro, eu te idolatro mais que nunca.
— Isaura, stop these vain scruples, and those humble phrases, which in no way can fit your angelic lips. If you love me, I love you too, because in everything I consider you worthy of my love; what more do you want?... If before knowing the condition in which you were born, I loved you subjugated by your rare charms, today that I know that to so many attractions you combine the prestige of misfortune and martyrdom, I adore you, I idolize you more than ever.

— Ama-me, e é essa idéia, que ainda mais me mortifica!... de que nos serve esse amor, se nem ao menos posso ter a fortuna de ser sua escrava, e devo sem remédio morrer entre as mãos de meu algoz.. — Nunca, Isaura! — exclamou Álvaro com exaltação: — minha fortuna, minha tranquilidade, minha vida, tudo sacrificarei para libertar-te do jugo desse vil tirano. Se a justiça da Terra não me auxilia nesta nobre e generosa empresa, a justiça do céu se fará cumprir por minhas mãos.
— He loves me, and that idea mortifies me even more!... what good is that love to us, if I can't even have the fortune of being his slave, and I have to die in the hands of my tormentor without remedy! .. —Never, Isaura! — exclaimed Álvaro with exaltation: — my fortune, my tranquility, my life, I will sacrifice everything to free you from the yoke of that vile tyrant. If the justice of Earth does not help me in this noble and generous enterprise, the justice of heaven will be fulfilled by my hands.

— Oh! senhor Álvaro!... não vá sacrificar-se por uma pobre escrava, que não merece tais excessos. Abandone-me à minha sina fatal; já não é pouca felicidade para mim ter merecido o amor de um cavalheiro tão nobre e tão amável, como o senhor; esta lembrança me servirá de alento e consolação em minha desgraça. Não posso, porém, consentir que o senhor avilte o seu nome e a sua reputação, amando com tal extremo a uma escrava.
—Oh! Senhor Álvaro!... don't go sacrificing yourself for a poor slave, who doesn't deserve such excesses. Abandon me to my fatal fate; It is no small happiness for me to have deserved the love of such a noble and kind gentleman as you; this memory will serve as encouragement and consolation in my misfortune. I cannot, however, allow you to debase your name and reputation by loving a female slave to such extremes.

— Por piedade, Isaura, não me martirizes mais com essa maldita palavra, que constantemente tens nos lábios. Escrava tu!... não o és, nunca o foste, e nunca o serás. Pode acaso a tirania de um homem ou da sociedade inteira transformar em um ente vil, e votar à escravidão aquela que das mãos de Deus saiu um anjo digno do respeito e adoração de todos? Não, Isaura; eu saberei erguer-te ao nobre e honroso lugar a que o céu te destinou, e conto com a proteção de um Deus justo, porque protejo um dos seus anjos.
— For pity's sake, Isaura, don't torture me any more with that accursed word that you constantly have on your lips. Slave you!... you are not, you never were, and you never will be. Can the tyranny of a man or of society as a whole transform into a vile entity, and send into slavery the one who from the hands of God came an angel worthy of the respect and adoration of all? No, Isaura; I will know how to raise you to the noble and honorable place to which heaven has destined you, and I count on the protection of a just God, because I protect one of his angels.

Álvaro, não obstante ficar sabendo, depois da noite do baile, que Isaura era uma simples escrava, nem por isso deixou de tratá-la daí em diante com o mesmo respeito, deferência e delicadeza, como a uma donzela da mais distinta jerarquia social. Procedia assim de acordo com os elevados princípios que professava, e com os nobres e delicados sentimentos do seu coração. O pudor, a inocência, o talento, a virtude e o infortúnio, eram sempre para ele coisas respeitáveis e sagradas, quer se achassem na pessoa de uma princesa, quer na de uma escrava. Sua afeição era tão casta e pura como a pessoa que dela era objeto, e nunca de leve lhe passara pelo pensamento abusar da precária e humilde posição de sua amante, para profanar-lhe a candura imaculada.
Álvaro, despite learning after the night of the ball that Isaura was a simple slave, did not for that reason fail to treat her from then on with the same respect, deference and delicacy as a maiden of the most distinguished social hierarchy. She did this in accordance with the high principles she professed, and with the noble and delicate feelings of her heart. Modesty, innocence, talent, virtue and misfortune were always respectable and sacred things for him, whether they were found in the person of a princess or a slave. Her affection was as chaste and pure as the person who was the object of it, and it never lightly crossed his mind to abuse his lover's precarious and humble position, to profane her immaculate candor.

Nunca de sua parte um gesto mais ousado, ou uma palavra menos casta haviam feito assomar ao rosto da cativa o rubor do pejo, e nem tampouco os lábios de Álvaro lhe haviam roçado o mais leve beijo pelas virginais e pudicas faces. Apenas depois de instantes e repetidas súplicas de Isaura, havia tomado a liberdade de tratá-la por tu, e isso mesmo quando se achavam a sós. Somente agora pela primeira vez, Álvaro, dominado pela mais suave e veemente emoção, ao proferir as últimas palavras, enlaçando o braço em torno ao colo de Isaura a cingia brandamente contra o coração.
Never on his part had a more daring gesture, or a less chaste word made the captive's face appear the blush of embarrassment, nor had Álvaro's lips ever brushed the lightest kiss over her virginal and modest cheeks. Only after a few moments and repeated pleadings from Isaura had he taken the liberty of addressing her as you, and that even when they were alone together. Only now, for the first time, Álvaro, dominated by the softest and most vehement emotion, as he uttered the last words, wrapping his arm around Isaura's lap, he gently hugged her against his heart.

Estavam ambos enlevados na doçura deste primeiro amplexo de amor, quando o ruído de um carro, que parou à porta do jardim, e logo após um forte e estrondoso — ó de casa! — os fizeram separar-se. No mesmo momento entrava na sala o baleeiro de Álvaro, e anunciava-lhe que novas pessoas o procuravam.
They were both enraptured in the sweetness of this first embrace of love, when the noise of a car, which stopped at the garden door, and immediately after a strong and rumbling — O de casa! — made them separate. At the same moment Álvaro's whaler entered the room and announced that new people were looking for him.

— Oh, meu Deus!... que será isto hoje!... serão ainda os malditos esbirros?... — refletiu Álvaro, e depois dirigindo-se a Isaura: — É prudente que te retires, minha amiga, — disse-lhe; ninguém sabe o que será e não convém que te vejam. — Ah! que eu não sirva senão para perturbar-lhe o sossego! - murmurou Isaura retirando-se.
"Oh, my God!... what will this be like today!... are the damned henchmen still going to be?..." reflected Álvaro, and then, turning to Isaura: "It's wise for you to leave, my friend," he said. -him; no one knows what it will be and it's not good for them to see you. — Oh! that I only serve to disturb his peace! - murmured Isaura, withdrawing.

Um momento depois Álvaro viu entrar na sala um elegante e belo mancebo, trajado com todo o primor, e afetando as mais polidas e aristocráticas maneiras; mas apesar de sua beleza, tinha ele na fisionomia, como Lusbel, um não seu quê de torvo e sinistro, e um olhar sombrio, que incutia pavor e repulsão.
A moment later Álvaro saw an elegant and handsome young man enter the room, dressed to the utmost perfection, and affecting the most polished and aristocratic manners; but despite his beauty, he had in his face, like Lusbel, something dark and sinister, and a somber look, which instilled fear and revulsion.

— Este por certo não é um esbirro, — pensou Álvaro, e indicando uma cadeira ao recém-chegado: — Queira sentar-se, — disse-lhe, e — tenha a bondade de dizer o que pretende deste seu criado. — Desculpe-me, — respondeu-lhe o cavalheiro, passeando um olhar escrutador em roda da sala: — não é a V. Sa. que eu desejava falar, mas sim ao morador desta casa ou à sua filha.
— This certainly isn't a henchman, — thought Álvaro, and indicating a chair to the newcomer: — Please sit down — he said, and — have the goodness to say what you want from your servant. — Excuse me — answered the gentleman, walking a scrutinizing look around the room: — it's not you. that I wished to speak, but to the inhabitant of this house or his daughter.

Álvaro estremeceu. Estava claro que aquele mancebo, se bem que nenhuma aparência tivesse de um esbirro, andava à pista de Isaura. Todavia no intuito de verificar se era fundada a sua apreensão, antes de chamar os donos da casa quis sondar as intenções do visitante.
Alvaro shuddered. It was clear that that young man, although he had no appearance of a henchman, was on Isaura's trail. However, in order to verify whether his apprehension was justified, before calling the owners of the house, he wanted to probe the visitor's intentions.

— Não obstante, — respondeu ele, como estou autorizado pelos donos da casa a tratar de todos os seus negócios, pode V. S.ª dirigir-se a mim, e dizer o que deles pretende.
"Nevertheless," he replied, as I am authorized by the owners of the house to handle all their business, you can address me, and say what you want from them.

— Sim, senhor; não ponho a menor dúvida, pois o que pretendo não é nenhum mistério. Constando-me com certeza, que aqui se acha acoutada uma escrava fugida, por nome Isaura, venho apreendê-la...
- Yes sir; I don't have the slightest doubt, because what I want is no mystery. Knowing with certainty that a runaway slave, named Isaura, is being held here, I come to apprehend her...

— Nesse caso deve entender-se comigo, que sou o depositário dessa escrava. — Ah!.. pelo que vejo, V. Sa. é o senhor Álvaro!... — Um criado de V. Sa. — Bem; muito estimo encontrá-lo por aqui; pois saiba também que eu sou Leôncio, o legítimo senhor dessa escrava.
— In that case, it must be understood with me, that I am the keeper of that slave. — Ah!.. from what I can see, Your Honor. it's Senhor Álvaro!... —A servant of yours. - Good; I am very happy to meet you here; for know also that I am Leôncio, the legitimate master of that slave.

Leôncio.... o senhor de Isaura! Álvaro ficou como esmagado sob o peso desta fulminante e tremenda revelação. Mudo e atônito, contemplou por alguns instantes aquele homem de sombria catadura, que se lhe apresentava aos olhos, implacável e sinistro como Lúcifer, prestes a empolgar a vítima, que deseja arrastar aos infernos. Suor frio porejou-lhe pela testa, e a mais pungente angústia apertoulhe o coração. — É ele!... é o próprio algoz!... ai, pobre Isaura!... — foi este o eco lúgubre, que remurmurou-lhe dentro d'alma enregelada pelo desalento.
Leôncio.... the lord of Isaura! Álvaro was as if crushed under the weight of this fulminating and tremendous revelation. Mute and astonished, he contemplated for a few moments that man with a somber face, who presented himself to his eyes, implacable and sinister as Lucifer, about to excite the victim, who he wants to drag to hell. A cold sweat broke out on his brow, and the keenest anguish gripped his heart. — It's him!... it's the tormentor himself!... alas, poor Isaura!... —this was the lugubrious echo that murmured inside her soul frozen by dismay.



contact privacy statement imprint